Eu já sabia que eras tu, embora não
soubesse quem tu eras.
Tu podias até saber quem eu sou, mas eu
sabia que eras tu.
E mesmo sem te conhecer, foi como se já te
tivesse conhecido antes e que já soubesse tudo o que me ias dizer; o que ias
deixar comigo e o que ias levar de mim.
Foi como se fossemos dois velhos amigos,
que se reencontram, no velho bar onde já foram, um dia, tão felizes. E que aí
trocámos lembranças que nunca aconteceram, recuperando memórias que nunca
ganharam vida.
Como um passado fantasma que nos assombrou
com recordações falsas, alimentando uma memória a dois que nunca teve lugar.
Bastou um cruzar de olhares, um sorriso, um
cumprimento.
Um acordar de sentimentos adormecidos que
não existiam e nunca chegaram a existir; mas foi, como se fosse, e isso
bastava.
Como uma história que nunca foi contada,
embora tivesse sido escrita há muito, e apagada novamente. Foi algo que nunca o
foi.
E se é mentira, foi uma mentira feliz; um
ludibriar de almas, que alimenta uma imaginação curiosa e uma descoberta
petulante; que a cada novo piscar de pálpebras trás imagens de cheiros, tempos
e lugares, tão familiares e tão desconhecidos ao mesmo tempo.
Ou posso ter sonhado, somente.
Porque eu lembro-me de nós.
Lembro-me de contarmos segredos e mentiras
um ao outro, e de nos rirmos logo em seguida da estupidez que dizíamos, e do
prometermos que nunca iriamos partilhar nada disto com ninguém.
Lembro-me da vez que tropeças-te, e eu, por
mim, tinha-te levado ás urgências, mas tu chamaste-me tonto; lembro-me do nosso
primeiro beijo, e do último abraço que demos; lembro de nós em viagem, e de nós
enroscados em frente à televisão, durante um desses programas de fraca
qualidade, que duram uma tarde inteira.
Lembro de sermos amigos: daqueles que não
se ganham, mas que se conquistam; de sermos companheiros e amantes; lembro de
coisas que prometemos um ao outro, embora saiba que nunca aconteceram.
E eu ainda aproveito para me lembrar do que
nunca aconteceu, antes que me esqueça novamente do que nunca fomos, das aventuras
que nunca vivemos, e do quanto nunca fomos felizes. Dos sítios a que nunca
fomos, e das surpresas que eu nunca te fiz. Pelo menos não neste mundo, e nesta
vida; mas que nalgum sitio aconteceram, porque eu lembro-me delas.
E pelo menos na minha memória, tu eras
igual ao que eu encontrei; rias com esse mesmo jeito envergonhado, falavas
nesse mesmo tom de voz de quem tem todas as certezas que a dúvida permite, e
passavas precisamente os mesmos dedos pelos cabelos quando coravas.
Precisamente os mesmos dedos.
Eu lembro-me. E se eu me lembro, as
memórias aconteceram; mesmo que não saiba onde, nem quando.
E se não aconteceram, podiam ter
acontecido; e eu prefiro acreditar nisso.
Que ainda vamos a tempo.
E ainda guarda as saudades do que ainda não fomos.
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