Tuesday, September 16, 2014

Lembrar

Eu já sabia que eras tu, embora não soubesse quem tu eras.
Tu podias até saber quem eu sou, mas eu sabia que eras tu.
E mesmo sem te conhecer, foi como se já te tivesse conhecido antes e que já soubesse tudo o que me ias dizer; o que ias deixar comigo e o que ias levar de mim.

Foi como se fossemos dois velhos amigos, que se reencontram, no velho bar onde já foram, um dia, tão felizes. E que aí trocámos lembranças que nunca aconteceram, recuperando memórias que nunca ganharam vida.
Como um passado fantasma que nos assombrou com recordações falsas, alimentando uma memória a dois que nunca teve lugar.

Bastou um cruzar de olhares, um sorriso, um cumprimento.
Um acordar de sentimentos adormecidos que não existiam e nunca chegaram a existir; mas foi, como se fosse, e isso bastava.
Como uma história que nunca foi contada, embora tivesse sido escrita há muito, e apagada novamente. Foi algo que nunca o foi.

E se é mentira, foi uma mentira feliz; um ludibriar de almas, que alimenta uma imaginação curiosa e uma descoberta petulante; que a cada novo piscar de pálpebras trás imagens de cheiros, tempos e lugares, tão familiares e tão desconhecidos ao mesmo tempo.

Ou posso ter sonhado, somente.
Porque eu lembro-me de nós.

Lembro-me de contarmos segredos e mentiras um ao outro, e de nos rirmos logo em seguida da estupidez que dizíamos, e do prometermos que nunca iriamos partilhar nada disto com ninguém.
Lembro-me da vez que tropeças-te, e eu, por mim, tinha-te levado ás urgências, mas tu chamaste-me tonto; lembro-me do nosso primeiro beijo, e do último abraço que demos; lembro de nós em viagem, e de nós enroscados em frente à televisão, durante um desses programas de fraca qualidade, que duram uma tarde inteira.

Lembro de sermos amigos: daqueles que não se ganham, mas que se conquistam; de sermos companheiros e amantes; lembro de coisas que prometemos um ao outro, embora saiba que nunca aconteceram.

E eu ainda aproveito para me lembrar do que nunca aconteceu, antes que me esqueça novamente do que nunca fomos, das aventuras que nunca vivemos, e do quanto nunca fomos felizes. Dos sítios a que nunca fomos, e das surpresas que eu nunca te fiz. Pelo menos não neste mundo, e nesta vida; mas que nalgum sitio aconteceram, porque eu lembro-me delas.

E pelo menos na minha memória, tu eras igual ao que eu encontrei; rias com esse mesmo jeito envergonhado, falavas nesse mesmo tom de voz de quem tem todas as certezas que a dúvida permite, e passavas precisamente os mesmos dedos pelos cabelos quando coravas. Precisamente os mesmos dedos.

Eu lembro-me. E se eu me lembro, as memórias aconteceram; mesmo que não saiba onde, nem quando.
E se não aconteceram, podiam ter acontecido; e eu prefiro acreditar nisso.
Que ainda vamos a tempo.

E ainda guarda as saudades do que ainda não fomos.

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