Thursday, June 17, 2010

sem titulo.

'ri, ri da mansarda heróica que tu me propunhas, e era no fundo, talvez, a mesma com que eu sonhava. mas quem venceu dentro de mim, Léah, não foi o virtuoso, foi o cobarde. a cobardia pode muito, a cobardia é heróica quando se mascara de altos propósitos! eu não sabia exactamente o que queria ou esperava da vida, das minhas ainda confusas ambições. viver para os outros... e tu, que querias tu? (...) conhecer mundo, as batalhas da vida, o sacrifício, a união de dois seres que labutam e gozam, criam e sofrem juntos? o teu sonho era alto de mais para o cobarde, ou simples de mais para o ambicioso. e foi por isso. vejo hoje com clareza que, desejando ardentemente o amor e as suas satisfações, eu pretendia egoisticamente que ele se integrasse na minha vida sem lhe alterar as directrizes e intenções.'
josé rodrigues miguéis (in 'léah')






já não há vértices, apenas arestas até ao infinito. estreitas cordas bambas onde o amor-próprio e a dignidade exercem contra-peso face ao amor e ao desespero. não há rede. nunca houve.
e se houvesse, a luta não seria a mesma, a vontade não seria igual; o amor seria diferente. o público aplaude, leva ao rubro o êxtase dos performers. poucos ficaram para ver o fim do espectáculo. e desses, mais de metade torce para ver o sangue manchar o chão da arena, a azáfama do pronto-socorro em arrancar o, então, esbandalhado artista das garras da morte, a labuta da equipa da limpeza em fingir que nada se passou e em permitir ao espectáculo a sua continuação. o segredo é esse, 'the show must go on'. mas ainda não chegamos lá, e, assim, ainda existem pouco mais de sessenta quilogramas de massa humana que se angustiam sobre uma ténue linha elástica de emoções elásticas. rufem os tambores, então.

no màs.

não queremos mais.
não queremos mais pessoas nobres, com ideais ou princípios. não queremos mais diletantes. não queremos mais pessoas com valores; pessoas correctas e idóneas. não queremos mais sentido de integridade, e muito menos, capacidade moral.
não queremos mais escolhas, fracassos ou dificuldades. não queremos mais sentir, e ainda menos, sofrer. não queremos cativar, ou pelo menos, não ter que o fazer. não queremos mais obstáculos.
não queremos pernas, nem braços. não queremos cabeça, e pouco nos dá se também se for a voz. não queremos mais coração; o livre-arbítrio morreu. não queremos mais dizer sim, não queremos mais dizer não. não queremos ouvir falar de juízo, estamos fartos da responsabilidade.
não queremos bom-gosto ou sentido ecléctico. não queremos falar e não queremos que deixem de nos ouvir. não queremos ser fãs, mas cremos tê-los. não queremos, mais, ser diferentes.

estupidamente, é isto que eu leio nos olhares que por aí andam; é pena. adeus passado, adeus futuro; olá presente. não basta.


'a natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável.'
Rousseau