Tuesday, September 16, 2014

a nordeste daqui

Há qualquer coisa simultaneamente mágica e nostálgica no nordeste.

Ao fim pouco de mais de duas décadas e meia, por estas terras e entre estas gentes, e mesmo hoje, ainda não sei o que faz deste pedaço de mundo aquilo que é: especial.

Cada um defende as suas cores e ergue a sua bandeira; o mais alto que chegar, o mais forte que conseguir. Mas só a quem lhe diz algo este pedaço de chão sabe ao que me refiro. Sente-se no ar, pressente-se nas pessoas.

De cada vez que se regressa com esta vontade de nunca partir, e se desce o vidro do carro, os sentidos despertam-se e anunciam ao espirito que estamos perto; mais que a fronteira geográfica ou os quilómetros marcados no alcatrão.
E aquele que nunca me enganou foi o olfacto.

Há um cheiro a olival e a fumo que se entranha nos pulmões. É o sinal.

E quando os pulmões se preenchem com este perfume que a terra tem, aí sim, sabemos que estamos a chegar a casa. Não a casa onde vive o corpo; a casa onde descansa o espirito.

O pensamento inflama-se, despertando a alma torpe e adormecida pelo espirito da vida mundana. São os dias quentes e as noites ventosas do verão; os dias cinzentos do inverno.

Não são os dias em que vivemos, mas os dias em que nos sentimos vivos.

É terra de gente simples mas com orgulho; que deu ao mundo gente simples e com mais orgulho ainda. Gente miúda e graúda, que abraça uma terra que é sua, por direito e por adoção. Gente que não nasceu cá, mas que renasce de cada vez que regressa; gente que aqui veio ao mundo, e que aqui retorna com o mundo no coração.

É o pó, são as moscas, os cães que ladram incessantemente, as ruas marcadas por aquilo que as vacas e as ovelhas comeram no lameiro nessa manhã.

Mas nem assim é menos mágico; como aquela alma gémea que se ama mesmo quando não põe a maquilhagem, ou não desfaz a barba há três dias.

E o engraçado, é que é um fascínio que não é só nosso, sejamos nordestinos por ascensão ou por afeição; é um outro sentir, que abala os sentidos de quem deveras sente, e que não se limita só a passear um coração no meio do peito.
É engraçado, deveras, porque eles vêm, vão, e mesmo que não regressem há uma parte nossa que não sai mais deles. E lembram-se, ainda que em simbólicos mas dignos fragmentos: o “butelo e as cascas”, os “garbanços”, as “canhonas”, a matança do porco, o São Lázaro, a Fonte do Arco.
Há sempre algo que fica e não sai mais.

E mais curioso ainda, é que mesmo os de cá, mais ou menos chateados com os dias que por cá se vivem: com o “zé dos não sei quantos”, com a banda “x” que a Comissão trouxe ás festas, ou com as mudanças que Junta fez, e que ninguém notificou por correio expresso á malta da França e do Brasil, é que essa chama, assim que acesa, nunca mais se apaga.

Por isso, sempre que é hora de regressar, por pouco ou muito que seja, é como se voltássemos a sentir o primeiro amor; o formigueiro na barriga, o nervoso miudinho, o receio do que tanto se deseja.
E à medida que nos aproximamos tudo se acalma, e somos preenchidos por esse conforto que nos aquece e nos completa.

À medida que vamos sentindo esse cheiro a olival e a fumo que se entranha nos pulmões. E aí, sim, sabemos que estamos a chegar a casa.


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