Há qualquer coisa simultaneamente mágica e
nostálgica no nordeste.
Ao fim pouco de mais de duas décadas e
meia, por estas terras e entre estas gentes, e mesmo hoje, ainda não sei o que
faz deste pedaço de mundo aquilo que é: especial.
Cada um defende as suas cores e ergue a sua
bandeira; o mais alto que chegar, o mais forte que conseguir. Mas só a quem lhe
diz algo este pedaço de chão sabe ao que me refiro. Sente-se no ar,
pressente-se nas pessoas.
De cada vez que se regressa com esta
vontade de nunca partir, e se desce o vidro do carro, os sentidos despertam-se
e anunciam ao espirito que estamos perto; mais que a fronteira geográfica ou os
quilómetros marcados no alcatrão.
E aquele que nunca me enganou foi o
olfacto.
Há um cheiro a olival e a fumo que se entranha
nos pulmões. É o sinal.
E quando os pulmões se preenchem com este
perfume que a terra tem, aí sim, sabemos que estamos a chegar a casa. Não a
casa onde vive o corpo; a casa onde descansa o espirito.
O pensamento inflama-se, despertando a alma
torpe e adormecida pelo espirito da vida mundana. São os dias quentes e as
noites ventosas do verão; os dias cinzentos do inverno.
Não são os dias em que vivemos, mas os dias
em que nos sentimos vivos.
É terra de gente simples mas com orgulho;
que deu ao mundo gente simples e com mais orgulho ainda. Gente miúda e graúda,
que abraça uma terra que é sua, por direito e por adoção. Gente que não nasceu
cá, mas que renasce de cada vez que regressa; gente que aqui veio ao mundo, e
que aqui retorna com o mundo no coração.
É o pó, são as moscas, os cães que ladram
incessantemente, as ruas marcadas por aquilo que as vacas e as ovelhas comeram
no lameiro nessa manhã.
Mas nem assim é menos mágico; como aquela
alma gémea que se ama mesmo quando não põe a maquilhagem, ou não desfaz a barba
há três dias.
E o engraçado, é que é um fascínio que não
é só nosso, sejamos nordestinos por ascensão ou por afeição; é um outro sentir,
que abala os sentidos de quem deveras sente, e que não se limita só a passear
um coração no meio do peito.
É engraçado, deveras, porque eles vêm, vão,
e mesmo que não regressem há uma parte nossa que não sai mais deles. E lembram-se,
ainda que em simbólicos mas dignos fragmentos: o “butelo e as cascas”, os “garbanços”,
as “canhonas”, a matança do porco, o São Lázaro, a Fonte do Arco.
Há sempre algo que fica e não sai mais.
E mais curioso ainda, é que mesmo os de cá,
mais ou menos chateados com os dias que por cá se vivem: com o “zé dos não sei
quantos”, com a banda “x” que a Comissão trouxe ás festas, ou com as mudanças
que Junta fez, e que ninguém notificou por correio expresso á malta da França e
do Brasil, é que essa chama, assim que acesa, nunca mais se apaga.
Por isso, sempre que é hora de regressar,
por pouco ou muito que seja, é como se voltássemos a sentir o primeiro amor; o
formigueiro na barriga, o nervoso miudinho, o receio do que tanto se deseja.
E à medida que nos aproximamos tudo se
acalma, e somos preenchidos por esse conforto que nos aquece e nos completa.
À medida que vamos sentindo esse cheiro a
olival e a fumo que se entranha nos pulmões. E aí, sim, sabemos que estamos a
chegar a casa.
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