Friday, June 11, 2010

coisas do amor.

'(...) o amor torna-se assim a medida do sentido da vida, e não tem outros alicerces sem ser em si próprio, isto é, nos indivíduos que o vivem, os quais, no amor, recusam o cálculo, o interesse, o alcance de um objectivo, e até mesmo a responsabilidade que as acções em sociedade requerem, para encontrarem aquela espontaneidade, sinceridade, autenticidade e intimidade que já não é possível exprimir em sociedade.
(...) o amor torna-se a única fonte de sentido em relação a uma vida considerada alienada, o lugar da individualização, o espaço de exercício da própria liberdade ate aos limites da anarquia, porque aí, onde o direito ao sentimento é considerado absoluto e divinizado como única e autentica via para a realização de si próprio, o que é que nos defende da natureza do sentimento que se caracteriza pela sua instabilidade e mutabilidade? nada. e, por isso, no amor, construção e destruição surgem ao mesmo tempo, exaltação e desolação caminham lado a lado, realização e perda de si próprio separados por ténues fronteiras.'
umberto galimberti



hoje revi dois bons amigos com quem não privava há muito. souberam bem.
ouviu-se não aquilo que se queria, mas não aquilo que se precisava. porque há que distinguir coração e razão, e o que se quer não é o que se tem, e o que se tem não é o que se poderia ter, e o que se poderia ter dificilmente seria o que é realmente preciso.
foram dois tortuosos dias passados na companhia de lembranças que ferem mais do que aquecem; melancolias imberbes que ainda não cresceram quanto baste para poderem seguir com as próprias vidas. a dureza simples das palavras afoga o nevoeiro emocional; a dureza simples das palavras afaga a claridade do espirito.


o excerto deve-se a esta conversa, já que foi sugestão daí surgida. obrigado a ambos, the door e hevrae. ao segundo deixo uma nota especial: já comecei a ler, e prometo que um dia vou chegar ao tal ponto.

antes de ser já o era.

lembro-me agora de duas piadas que o meu pai me contava quando era gaiato; dizia ele,
qual é coisa qual é ela, que antes de o ser, já o era?
a pescada; antes de ser pescada, já era pescada.
qual é coisa qual é ela, que antes de o ser, já o era?
o vestido; antes de ser vestido, já era vestido.
hoje, perderam a graça que tinham então; fica a verdade dos factos.
muitas são as coisas que antes de o ser já o eram.

e tu lanças perguntas, somas probabilidades, prevês o imprevisível, supões o improvável, inventas, sonhas, crias. o resultado é o que menos importa, porque esse, mal ou bem, sempre foi congeminação tua, e, como tal, já estava certo antes mesmo de ganhar forma.

quando perceberes que o tempo não é ditado pelos relógios e pelos calendários, que a força não vem só nos cereais e nos brócolos, que o ter "estômago para" não quer dizer apetite, ou que fazer planos não é o mesmo que fazer o jantar, talvez vejas tudo com outros olhos.
quando perceberes que o mundo não se define por tratados, que o futuro não se cria em tubos de ensaio, que o sonho não se encomenda por catálogo, ou que o amor não se escolhe como as t-shirts do armário, vais ser muito mais feliz, e quem sabe, não o sejamos todos.



'o que se abre aberto
se aproxima perto
pra esvaziar o já deserto
desorienta o incerto
ruma sem trajecto
nunca existiu mas eu deleto
querer sem objecto
voz sem alfabeto
enchendo um corpo já repleto
o excesso, excepto
o etcétera e todo o resto
do chão ao céu, da boca ao recto

eu só eu, no meu vazio
se não morreu, nem existiu
eu só eu, no meu pavio
futuro pó que me pariu.'
lenine